sábado, 29 de agosto de 2009

COMO MANTER ARTICULAÇÕES SAUDÁVEIS

AVISO IMPORTANTE
Os conselhos apresentados não pretendem ser um substituto do aconselhamento técnico individual, mas antes um complemento, destinando-se a todos aqueles que desejam aprender mais acerca da sua situação. Antes de iniciar qualquer tipo de tratamento, consulte sempre o seu médico ou técnico de saúde.

Os ossos, as articulações e os músculos constituem, no seu conjunto, o sistema musculoesquelético, também denominado sistema locomotor, responsável pela locomoção. Trata-se de um sistema complexo, que pode ser afectado por vários tipos de problemas, entre os quais os degenerativos ligados ao avanço da idade. Neste sentido, apresento um conjunto de regras com o objectivo de manter as articulações saudáveis.

1. A dor é um sinal de aviso: não deve ignorá-la nem adiar tratamento.

2. Deve fazer alterações pequenas e frequentes na maneira como se senta ou está levantado, sempre que estiver sentado ou levantado.

3. Sente-se em cadeiras rijas, mas almofadadas, com costas confortáveis.

4. Ajuste bem o banco do seu carro.

5. Não tente alcançar objectos esticando-se.

6. Não trabalhe muito tempo na mesma posição: deve fazer pausas regularmente.

7. Nunca dobrar quando se pode ajoelhar ou agachar. Não tossir ou espirrar quando se está dobrado.

8. No acto de levantar objectos pesados lembre-se de dobrar os joelhos, e não se vire.

9. Distribua uniformemente objectos pesados, quando os transportar.

10. Nunca fique muito tempo sentado, em pé ou dobrado.

11. Use almofadas e colchões ortopédicos.

12. Não faça exercício físico sem haver um aquecimento prévio.

13. Em caso de dores nas costas, não fique deitado muito tempo – esta posição atrasa a sua recuperação.

14. Se possível, evite fazer o trabalho mais pesado ou mais extenso, durante as primeiras duas horas do dia.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Nota. O texto apresentado é parte integrante da minha Tese de Mestrado: Jean-Jacques Rousseau. Soberania e Liberdade ou acerca da liberdade individual em comunidade. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2000.

Soberania e liberdade são dois conceitos fundamentais no pensamento de Rousseau, mas sugerem um mais vasto enquadramento. O horizonte filosófico em torno do qual se polariza a argumentação é o pensamento político de Rousseau no quadro das relações entre soberania e liberdade, tendo como pressuposto a suprema direcção da vontade geral. Ora, sendo a noção de vontade geral um vector temático essencial no pensamento político de Rousseau, não podemos deixar de notar que tal deriva de um outro vector temático igualmente importante: o da liberdade individual em comunidade. Esta insistência na liberdade como base da vida política, leva-o a criticar as “teorias do direito natural” e a afirmar que “todo o governo legítimo é republicano”.

Rousseau propõe-se fundamentar a condição do homem que o levará para a sociedade civil, mas sempre com uma única finalidade: conquistar a sua liberdade, a maior de entre as tarefas do homem. Na sequência do problema fundamental ao qual o contrato social dá solução, podemos dizer que a passagem do estado de natureza para o estado civil se faz pela entrega de cada um à vontade geral, dando-se assim a perfeita integração do indivíduo no todo. Deste modo, ainda que o indivíduo prossiga com a responsabilidade de alcançar a liberdade na sua vida pessoal, já não o pode levar a cabo isolado dos demais.

O problema específico da ordem política implica, portanto, o estabelecimento de condições que permitam a todos os membros da sociedade participar em situação de igualdade numa associação civil baseada no princípio da liberdade. Ora, segundo Rousseau, as relações empíricas entre homens são sempre arbitrárias, conduzindo quase sempre a uma situação de desigualdade em favor do mais rico e do mais forte. Por isso, o que se pretende é pôr fim a esta dependência, submetendo os homens à lei, expressão da vontade geral. A natureza absoluta, indivisível e inalienável da soberania permite justamente alcançar esta dependência interpessoal, uma dependência das coisas, que evita a subjugação das pessoas, pois situa a soberania em todos os membros da comunidade: é a soberania do povo.

As condições são iguais para todos, porque todos as aceitam livremente. Além disso, obedecendo a esta autoridade comum, os cidadãos obedecem a si próprios porque não existe outra legitimidade. Assim sendo, porque a soberania não se pode conceber sem uma genuína igualdade nos direitos e obrigações, torna-se a garantia da liberdade, a qual não se concebe sem perfectibilidade, razão pela qual afirmamos que há no pensamento político de Rousseau uma dialéctica da perfectibilidade, que dá ao movimento dos contrários uma nova projecção, a qual está na base do processo entre uma liberdade individual, como ponto de partida, e uma vontade geral, ponto de chegada. Em nosso entender, o pensamento político de Rousseau representa a possibilidade de se realizar a aventura da unidade dentro da diversidade, mostrando uma coerência entre as instituições e a sociedade, entre o homem e o cidadão.

Fazendo uso da ideia de direitos em teoria política, Rousseau insiste na igualdade absoluta do direito entre todos os indivíduos, o que equivale a dizer que recusa quaisquer “sociedades particulares” que diminuam tal igualdade. Rousseau propõe uma liberdade igualitária e consequente soberania popular. Esta liberdade exprime, por oposição a uma liberdade exclusivamente “civil”, proposta pelos pensadores liberais, uma instância universal baseada no reconhecimento social. O igualitarismo antinivelador do pai da democracia moderna não é, portanto, simples igualdade “jurídica”, nem o seu pensamento simples apêndice à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão saída da Revolução francesa. Ele é, para utilizar a expressão de Galvano Della Volpe, uma “síntese proporcional de igualdades”.

Tal implica que a solução do problema de uma efectiva igualdade universal passa por exigir a aplicação, também ela universal, de um critério baseado nos méritos pessoais, fundado no reconhecimento social dessas mesmas desigualdades. Daqui resultam um reconhecimento social mas também uma concepção democrática das relações políticas. Portanto, entendemos que o problema da liberdade não deve ser separado da igualdade, aspecto que nos remete para a liberdade igualitária. Esta liberdade, sendo política, deverá ser entendida numa perspectiva social e democrática, resultando daqui o princípio da soberania do povo, na qual, segundo Rousseau, os súbditos e os soberanos são os mesmos homens considerados sob diferentes relações. Resulta também deste enquadramento que a igualdade torna-se a base do sistema e a verdadeira garantia dos direitos de cada um: a igualdade gera a unidade e esta a liberdade; só há liberdade na unidade, a liberdade individual em comunidade.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

SOLIPSISMO

O termo deriva, etimologicamente, do Latim solus, que significa só, e ipse, que significa o próprio; podemos traduzi-lo por só ele próprio. A conceptualização do termo implica “ipseidade”, o que nos conduz a uma perspectiva de egoísmo ou ensimesmamento, no sentido de vida ou costume de quem é solitário ou vive retiradamente, à maneira de quem queira cortar com a realidade circundante e viver em função da sua própria consciência. O termo designa também uma doutrina ou sistema filosófico que admite ser toda a existência experiência e que somos naturalmente o único objecto dessa experiência, isto é, reduz toda a realidade ao sujeito pensante.

O solipsismo reveste muitos matizes ao longo da história da filosofia, mas podemos resumi-los a três tendência fundamentais: solipsismo gnosiológico, segundo o qual não há justificação para afirmar o objecto fora da consciência, solipsismo metafísico, tendência a afirmar como ser único o do sujeito e, finalmente, solipsismo moral, que situa no sujeito a fonte de todas as normas morais. Seja qual for a tendência, as consequências são, genericamente, as seguintes: o sujeito fecha-se sobre si próprio e ignora, teoricamente, tudo o mais, embora a prática desminta esta posição teórica na relação com a realidade, seja esta a natural ou social.

Ficou historicamente conhecido o solipsismo cartesiano, quando o filósofo francês René Descartes afirma o primado da substância pensante (res cogitans) traduzida na célebre máxima “penso logo existo” (cogito ergo sum). Partindo do substancialismo cartesiano pode afirmar-se que Deus (res divina) é, do ponto de vista ontológico, a substância mais importante, mas, gnosiologicamente, a res cogitans é que tem a primazia. Contudo, não basta garantir o fundamento do Cogito, é preciso garantir o fundamento da própria existência. O argumento ontológico, garantindo a existência de Deus, garante a nossa existência e a própria veracidade da Sua existência, dando assim resposta ao solipsismo.

Podemos afirmar que na base do solipsismo está uma posição extrema, seja ela empírica ou idealista. As tentativas de mediação para estas posições extremas também são conhecidas. Ora, as posições extremas conduzem a visões dicotómicas que, a limite, podem conduzir a dogmatismos ou cepticismos, escudados em Metafísicas dualistas, que não têm em conta a vontade livre, traduzida numa visão holística e dialéctica da realidade, a qual é não só multifacetada como também está em constante devir, como bem o referiu Heraclito de Éfeso.

sábado, 15 de agosto de 2009

ÉTICA

O termo Ética é muito usado no dia-a-dia. Inclusive, usamo-lo para caracterizar as nossas condutas morais e legais, confundindo-o com a Moral, o Direito e a Deontologia. Também é usual associar o termo Ética com Política e a outras formas de vida pública. Esta confusão ganha evidência sempre que uma figura pública, política ou não, comete algum ilícito criminal ou tem uma conduta moralmente repreensível. Daqui surge a pergunta: o que significa ética? Com este texto pretende-se clarificar a distinção entre Ética e outras áreas com ela associadas.

Ética deriva etimologicamente do grego êthos, que significa” carácter”, “modo de vida habitual”. Para os gregos, a ética era a ciência dos costumes. Contudo, a passagem do grego para o latim trouxe mudanças. Cícero, autor romano, traduziu o adjectivo grego “ético” por “moral” (moralis), palavra construída a partir do substantivo mos, moris, que designa a maneira de nos comportarmos não segundo a lei (pois isso seria objecto da política), mas segundo os costumes. Assim, na filosofia greco-romana, Ética e Moral são sinónimos e designam a ciência dos costumes ou ciência do Bem.

Esta distinção começa a ganhar novos contornos com Kant. Na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, este filósofo apresenta um verdadeiro projecto para uma ética a constituir-se. Depois de Kant começa a distinguir-se entre ética e moral. O termo “moral” passa a denotar melhor os comportamentos, as acções práticas; o termos “ética” denota antes os princípios de toda a conduta. A filosofia kantiana foi importante na distinção entre moralidade e legalidade e, inclusive, deontologia, com a distinção entre acções “por dever” e “conformes ao dever”.

Chegados aqui, torna-se evidente que há diferenças. Ainda que a moral e a ética sejam termos afins, podemos contudo distingui-los. Como refere Paul Ricouer: «Nada há, realmente, na etimologia ou na história do uso dos termos que imponha a distinção entre ética e moral. Um dos termos vem do grego, o outro do latim e ambos reenviam à ideia de costumes (ethos, mores); no entanto, podemos encontrar um traço distintivo entre eles, consoante acentuemos o que é “considerado bom” ou o que “se impõe como obrigatório”.»

A ética ocupa-se dos princípios e categorias comuns a toda a moralidade: consciência moral, liberdade, responsabilidade e os conceitos de bem, dever e direito. Importa distinguir os termos. Podemos apresentar duas formas para tal. A primeira consiste em conferir à moral dimensão mais local e à ética uma dimensão mais universal. Uma segunda forma de distinguir consiste em ligar a ética à persecução do viver bem, da vida boa ou da felicidade e associar a moral às noções de obrigação e dever morais pelas quais se devem pautar as condutas dos indivíduos.

Somos seres essencialmente políticos. Contudo, as várias “instituições” – legais, políticas, deontológicas – são alheias à noção de ética, porque esta nunca pode considerar-se “institucionalizada”. Como refere Fernando Savater: “A ética rege-se por ideais (estilizações supremas dos valores de vida e liberdade que representam aspirações do espírito mas nunca descrevem estados de coisas) e não por utopias, que inevitavelmente implicam o projecto de estatuir de uma vez por todas procedimentos perfeitos”.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

TRABALHO

A palavra trabalho deriva etimologicamente do latim popular tripalus, que significa “três paus” e designava um instrumento utilizado para torturar. Da evolução semântica derivou a palavra tripaliare, literalmente “torturar”. Surge assim o termo trabalho para significar algo penoso, fatigante, uma vez que era uma condição pouco digna quando comparada à dos homens livres, dedicados à contemplação e ao ócio.

Como toda e qualquer realidade humana, também o trabalho passou por diferentes fases históricas. A sua evolução histórica começa com a divisão natural, na qual as tarefas se baseiam no sexo e na idade. Seguiu-se a primeira divisão social, através da separação em tarefas especializadas entre agricultores e pastores. Mais tarde, numa segunda divisão social, surgem os artesãos, ligados aos ofícios especializados no fabrico de instrumentos.

Desde o Esclavagismo até ao Capitalismo, passado pelo Servilismo e pelo Corporativismo, a visão negativista presente na etimologia latina foi dando lugar a uma nova concepção de trabalho, encarado como libertação, progresso e auto-realização. Alguns autores defendem que dignifica o ser humano. No final do século XIX e século XX assistimos a grandes transformações do trabalho, não só ao nível da técnica de produção, mas também como fenómeno e pratica social.

Em termos genéricos, trabalho significa toda e qualquer actividade de ocupação na qual despendemos grande parte da nossa vida. O ponto de vista sociológico, pelo contrário, define-o com realização de tarefas que envolvem dispêndio de esforço, seja este mental ou físico, cuja finalidade é a produção de bens e serviços para satisfazer necessidades humanas. Remunerado ou não, o trabalho desempenha um papel na condição humana; mesmo a ociosidade, apesar de apreciada, só se afirma dialecticamente a partir dele.

Defendo que o trabalho liberta. Não concordo com a máxima nazi de má memória Arbeit macht frei. Também não concordo com a libertação proposta pela dialéctica hegeliana, segundo a qual é pelo trabalho que o servo, antítese do senhor, consegue essa mesma libertação através da “consciência de si” (Selbstbewußtsein), dando origem ao “homem livre” (síntese). A minha concepção de trabalho está próxima da marxiana, não só pela sua visão dialéctica da história e pela praxis social, mas principalmente pela defesa da condição humana não alienada, o homem total.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

EROS E THANATOS

Eros e Thanatos significam, entre os gregos, o Amor e a Morte personificados. Podemos identificar nestas figuras da mitologia grega dois princípios vitais: Vida e Morte. Freud utilizou-as para identificar duas categorias de pulsões humanas: instinto de vida (eros) e instinto de morte (thanatos). Estas duas pulsões geram entre si um conflito que dinamiza o psiquismo humano. Neste sentido, a estrutura freudiana do psiquismo humano é atravessada por um conflito que dinamiza o aparelho psíquico. Este conflito tem origem nos obstáculos que o indivíduo encontra na realização das pulsões e reflecte a luta entre várias instâncias no psiquismo humano.

De acordo com Freud, o aparelho psíquico está subdividido em três instâncias que interactuam umas sobre as outras, cada uma com um papel específico: id, ego e superego. O id é a zona inconsciente, primitiva, instintiva, a partir da qual se formam as outras instâncias psíquicas; rege-se pelo princípio do prazer, que tem como objectivo a realização, a satisfação imediata dos desejos e pulsões. O id é o reservatório da libido, energia das pulsões sexuais. O superego é a zona do psiquismo que corresponde à interiorização das normas, dos valores sociais e morais; resulta do processo de socialização e interiorização de modelos. É a componente ético-moral do psiquismo e pressiona o ego para controlar o id; forma-se no estádio fálico.

O ego é fundamentalmente consciente, e forma-se a partir do id durante o primeiro ano de vida; rege-se pelo princípio da realidade, orientando-se por princípios lógicos e decidindo quais os desejos e impulsos do id que podem ser realizados. O ego tem por função tomar decisões quanto à resolução do conflito travado entre as outras instâncias psíquicas, o que nos remete para o aspecto fundamental: o conflito que dinamiza o aparelho psíquico. Centro da libido ou energia pulsional instintiva, o id é incapaz de suportar tensões, só obedecendo ao princípio do prazer, o que o impulsiona a agir e o faz reduzir de imediato as tensões penosas. O superego, instância moral ou ideal, conflitua com os impulsos e pulsões do id.

Situado entre as pulsões inconscientes e as exigências do mundo real, o ego gere as pressões que recebe do id e do superego, sendo o mediador entre ambos; operando de acordo com o princípio da realidade tenta moderar o id e retardar a satisfação imediata que o princípio do prazer requer. O ego utiliza mecanismos de defesa, estratégias inconscientes para reduzir a tensão resultante deste conflito. Podemos definir conflito como a oposição de duas forças com intensidade semelhante que são, no fundo, os princípios do prazer e da realidade: o querer e o dever. Cabe ao ego ser a síntese neste conflito triádico, síntese que, no fundo, é a formação dinâmica da nossa própria personalidade, superando os conflitos internos. Como diria o oráculo de Delfos: conhece-te a ti próprio.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

PERSONALIDADE

Mais importante do que definir o conceito de personalidade, será saber até que ponto somos as nossas próprias circunstâncias ou mantemos a nossa própria personalidade constante através de diversos contextos. Daqui a questão: até que ponto somos inerentemente consistentes face às circunstâncias? Será que o homem é ele e as suas circunstâncias?

A personalidade contém em si duas tendências que, à primeira vista, poderão parecer opostas: a de unicidade, no sentido da integração, e a de individualidade, no sentido da diferenciação. A personalidade é um conceito que apela ao indivíduo, à sua unicidade, no que há de mais nuclear e específico em si próprio, mas, também, à sua diferenciação, no que há de distintivo dos outros.

Permite que nos reconheçamos e sejamos reconhecidos; ela representa uma fidelidade, uma continuidade de forma de estar e de ser. A personalidade conduz-nos à identidade, desenvolve-se ao longo da vida e é o resultado da inscrição na mente da nossa história biológica e relacional.

A identidade é o produto – sempre em aberto – da auto-organização que cada indivíduo faz da sua história bio-relacional e emerge do conjunto de processos dinâmicos – estruturais e funcionais – que asseguram a unidade e a continuidade. É aquilo por que cada um se sente diferente, mas, simultaneamente, único, aceite e reconhecido como tal pelos outros, o que nos remete para a questão da unidade e diversidade dos seres humanos.

Neste particular, pode dizer-se que cada ser humano é único por construir a sua identidade a partir de uma história pessoal e, por isso, a diversidade é a marca distintiva dos humanos. Porém, esta diversidade não invalida a existência de uma estrutura comum, isto é, para lá da diversidade há uma unidade comum a toda a espécie.

A história pessoal de cada ser humano desenrola-se no diálogo. Daí termos de assumir uma identidade multidimensional que engloba as várias identidades Isto remete-nos para um tema muito interessante que é a relação entre legado cultural e herança genética e sua importância na riqueza e diversidade humana.

Quando falamos de diversidade humana devemos ter em conta duas heranças: a genética e a cultural. É por isso que o ser humano é considerado uma unidade biocultural. Assim, a diversidade humana diz respeito ao facto de não existirem duas pessoa iguais, pois todas elas divergem sob o ponto de vista fisiológico e social.

Dentro de cada cultura, cada ser humano constrói-se a partir das potencialidades genéticas resultantes da combinação de múltiplos pares de genes provenientes dos seus progenitores. Em suma, somos uma unidade que se diferencia nos contextos.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

ANIMAL INACABADO

Perante um título destes apetece fazer como o senhor de La Palisse e dizer que o animal inacabado é aquele que não está acabado. Mas a pergunta impõe-se: qual é, entre os animais, aquele que está inacabado e porquê? O assunto é sério e mereceu estudos aprofundados a nível científico e filosófico. Fernando Savater, filósofo contemporâneo, escreveu: “O ser humano conta com uma programação básica – biológica – mas deve autoprogramar-se como humano. […] Mesmo comparado com os seus parentes zoológicos mais próximos, oferece uma sensação de abertura de inacabamento: em suma, de extrema disponibilidade.”

O texto de Savater explicita a seguinte ideia: o ser humano tem de aprender o que a hereditariedade propicia a outras espécies. Inacabado, biologicamente desamparado, prematuro, o ser humano está aberto a múltiplas potencialidades. É por isso que a prematuridade do ser humano é uma vantagem. Como refere o autor: “ […] oferece uma sensação de abertura de inacabamento: em suma, de extrema disponibilidade.”. Isto remete-nos para dois temas: a) o ser humano é biologicamente inacabado; b) as vantagens da prematuridade biológica do ser humano.

Quanto ao primeiro tema, pode dizer-se que o inacabamento biológico está relacionado com a carência de respostas instintivas à maneira de um programa determinado que permita reagir na natureza, como as restantes espécie animais. É por isso que o ser humano é um animal social; ele necessita do grupo social para aprender, não só na infância, mais longa que a de outras espécies, mas também ao longo da vida. Este inacabamento tem vantagens, o que nos conduz ao segundo tema.

A imaturidade ou prematuridade biológica do ser humano subtrai-o à fixidez, instigando-o a desenvolver uma multiplicidade de condutas. A ausência de respostas definitivas e acabadas como as restantes espécies animais, leva o ser humano a desenvolver renovadas formas de actuação, traduzido numa plasticidade adaptativa. Como refere Savater: “O ser humano conta com uma programação básica – biológica – mas deve autoprogramar-se como humano.”

No plano físico, o ser humano apresenta um inacabamento biológico que se designa por neotonia. Este inacabamento biológico e a sua prematuridade são condição necessária para o processo de adaptação e desenvolvimento. Isto está bem presente no texto pois o desenvolvimento mais lento dá maior flexibilidade ou plasticidade, dado que nem todas as conexões estão “instaladas” no início da vida. De facto, a lentificação no ritmo de desenvolvimento, em particular na comparação com outras espécies, possibilitou a complexificação e individuação. A lentificação possibilita a complexidade e a individuação dos modos humanos de conduta.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

ANCORAGEM

Caso se pretenda saber o significado desta ou de outra palavra é comum e, dir-se-ia, de bom senso, consultar um Dicionário para procurar a respectiva definição, de preferência fidedigna, para que não restem quaisquer dúvidas a esse respeito. De acordo com José Pedro Machado, Director da “Sociedade da Língua Portuguesa” e membro das comissões do Vocabulário e do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: Ancoragem, s. f. (de ancorar) Acto de ancorar. Taxa que paga um navio para poder fundear num porto. Para o comum bom senso nada mais óbvio e problema resolvido. Mas os problemas só agora começaram.

Se analisarmos deste mesmo especialista e no mesmo Dicionário, mas agora no Tomo de Actualização que acompanha o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, encontramos uma nova definição de ancoragem, já não como termo de actividades náuticas, mas sim de ciências médicas, a saber: cirurgia: fixação cirúrgica de uma víscera deslocada; odontologia: ponto de fixação de uma coroa ou ponte artificial. Porquê esta diversidade de significados? Como refere o supracitado especialista, aliás, no mais puro espírito científico e anti dogmático: “ [o Dicionário] ficará algo mais actualizado, mas, saliente-se, não ficará completo. Mas há algum dicionário completo?”.

Repare-se que a definição que procuramos no dicionário nos remete para uma perspectiva lexicográfica com informações de natureza ortográfica. Contudo, a palavra em causa pode ser também analisada pela semiótica, esta considerada uma metalinguagem com as suas três dimensões: sintaxe, semântica e pragmática. A semiótica, que é a ciência dos signos, tem actualmente grande importância, não só para o aparelho lógico e conceptual da ciência, mas também para os sistemas de comunicação no seio das comunidades humanas, e teorias relativas aos modos de significar.

O principal objectivo de alguns lógicos e matemáticos contemporâneos, por exemplo Bertrand Russell, foi o de construírem uma linguagem ideal que eliminasse os equívocos, as limitações e contradições da linguagem corrente. Claro que não se pretende fazer aqui um estudo semiótico, uma linguagem de signos unívocos e não equívocos, mas tão só dar uma pálida imagem da complexidade do problema da linguagem em geral, e dos problemas inerentes à linguagem científica em particular, tendo presente a dimensão social do conhecimento própria da linguagem comum. Voltemos, pois, à ancoragem, agora numa outra perspectiva: a representação social.

As representações sociais têm na base dois processos: a objectivação e a ancoragem. O primeiro corresponde à forma como se organizam os elementos da representação e o percurso que efectuam até chegarem a exprimir uma realidade pensada que é tida como natural. Quanto à ancoragem, será o processo cognitivo relacionado com a objectivação, cuja ocorrência tem dois momentos: 1) processo que antecede a objectivação, tornando familiar o que ainda não é; 2) processo subsequente à objectivação tendo por função a organização social. É assim que o H5N1 (objectivação) ganha uma dimensão social passando a “Gripe das Aves” (ancoragem). Faça o seu teste com o H1N1.