quarta-feira, 23 de julho de 2008

O FOGO DE PROMETEU

Desde tempos imemoriais ou, para falar com mais rigor, primordiais (In illo tempore) que a humanidade está marcada por mitos, isto é, narrativas sagradas acerca de figuras que, quase sempre, são a personificação de forças naturais com carácter antropomórfico, as quais se tornam o arquétipo de todas as actividades humanas significativas. É assim que, nas sociedades arcaicas, é comum haver divindades ligadas a cada actividade humana.

Pela repetição de certas palavras e gestos rituais, também eles primordiais, o mito torna-se uma realidade viva. O rito actualiza o mito, o rito é o mito em acção. Neste contexto mitológico, muitos foram os seres que pagaram cara a ousadia de conhecer e de saber mais. Sísifo, Tântalo, Ícaro, Prometeu ou mesmo Adão e Eva são exemplos daqueles que foram castigados pela sua ousadia de enfrentar a divindade em favor da humanidade.

Prometeu, cujo nome significa “previsão” era muito prudente, mais ainda que os próprios deuses. Contudo, Prometeu foi duramente castigado por roubar ao Olimpo o segredo do fogo, para o entregar ao Homem. Foi Zeus quem ordenou que Prometeu fosse agrilhoado a uma montanha, onde todos os dias uma águia ia comer-lhe o fígado que, diariamente, se regenerava. Héracles, também conhecido como Hércules, acaba por salvá-lo, matando a águia, num dos seus célebres doze trabalhos.

O mito de Prometeu, inseparável da questão acerca da origem do fogo, situa-se entre os mais universais, podendo ser encontrados equivalentes seus noutras mitologias para além da grega. A sua figura, simultaneamente trágica e rebelde, símbolo da humanidade, constitui um dos mitos gregos mais presentes na cultura ocidental.

Ésquilo, na sua obra Prometeu agrilhoado, foi o primeiro a apresentá-lo como uma figura rebelde contra a injustiça e omnipotência divina, imagem esta que, posteriormente, será adoptada por todos aqueles que viram na figura de Prometeu a representação da liberdade humana, que leva o homem a enfrentar com orgulho o seu destino. É por isso que um dos significados mais comuns deste mito é o da luta entre o ser humano e o poder superior

Prometeu marca o início da civilização, com a revelação do fogo aos homens. Simboliza também a luta do homem condenado a enfrentar muitos sacrifícios na luta pelos seus ideais, aspecto bem vincado por Sartre quando diz “Estamos condenados a ser livres.”. O que podemos retirar deste mito é o poder da inteligência, superador das limitações humanas, multiplicador de compreensão e entendimento do mundo que, tantas vezes, nos surge como trágico e caótico.

O fogo que Prometeu roubou aos deuses e pelo qual foi condenado, representa o conhecimento humano. Mas também, e talvez mais importante, a liberdade. Até aí os homens faziam tudo sem razão, porque os deuses, ao contrário do que tinham feito com os restantes animais, nada lhes deram. Ora, como bem notou Rousseau: “Um escolhe ou rejeita por instinto, e o outro por um acto de liberdade […]. Não é pois tanto o entendimento que faz a distinção específica entre os animais e os homens, mas a qualidade humana de agente livre”.

domingo, 20 de julho de 2008

MANIQUEÍSMO e DICOTOMIA

Entende-se por Maniqueísmo a Heresia de Manes, fundador da seita dos Maniqueus, nascida no século III na Pérsia, segundo a qual o Universo é criação de dois princípios que se combatem. Manes, também conhecido como Manete ou Maniqueu, à imitação dos primeiros gnósticos, tentou juntar, numa vasta síntese, o cristianismo e o paganismo oriental. Admite a coexistência eterna dos dois princípios divinos: o Príncipe da Luz e o Príncipe do Mundo, também chamado Satã ou Matéria. Deu-se em seguida o nome de maniqueísmo a qualquer doutrina fundada sobre os dois princípios opostos do Bem e do Mal.

Não obstante esta referência histórica, podemos já identificar pressupostos maniqueístas na cultura grega clássica. É o caso de Parménides de Eleia. Baseado no princípio “o ser é, o não ser não é”, considera dois caminhos, o da verdade (aletheia), o caminho do ser, e a via da aparência ou da opinião (doxa), do não-ser. Apesar da sua aparente simplicidade, esta doutrina teve grandes implicações futuras, desde logo, contrariamente a Heraclito e outros filósofos, porque nega não só as transformações como também a pluralidade e o movimento, como puras ilusões dos sentidos. É justamente em nome da unidade do Ser que se justificam muitas metafísicas dualistas.

Porque não se pretende ter uma atitude maniqueísta de escolha entre duas opções, sejam elas factos históricos por um lado, ou doutrinas filosóficas baseadas em princípios opostos por outro, convém esclarecer este conceito, quer ao nível dos pressupostos quer das suas consequências. Por isso há que esclarecer os pressupostos dicotómicos presentes nas perspectivas maniqueístas, sejam elas doutrinas ou simples máximas subjectivas de uso individual, à maneira da lei do Talião: “quem não está comigo está contra mim”, máximas bem presentes na actualidade e muitas vezes usadas como justificação de massacres.

As dicotomias podem ter uma dupla leitura. Por um lado, elas podem contribuir para uma nova conceptualização, ajudando a definir determinados conceitos ou mesmo novas teorias. Por outro lado, num registo mais negativo, as dicotomias, enquanto perspectivas exageradas e simplistas, podem conduzir a panoramas redutores dos assuntos em discussão. Na tentativa de evitar tais visões dicotómicas, as tendências actuais deverão ir no sentido de as ultrapassar, preferido visões globais, holisticas e integradas. Devemos evitar posições dicotómicas, tais como o maniqueísmo, porque a sua perspectiva binária é incompatível com uma visão dialéctica e holística da realidade.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

DIVERSIDADE HUMANA

A história pessoal de cada ser humano desenrola-se no diálogo entre o que percebemos (objectivamente) de nós, dos outros, do mundo, do que os outros percebem, e o que (subjectivamente) construímos – acerca de nós, dos outros e do mundo. Daí termos de assumir uma identidade multidimensional que engloba as identidades cósmica, específica, cultural e pessoal.

Na História das Ciências encontramos muitos exemplos de desrespeito pela diversidade. As próprias ciências humanas, como a Psicologia ou a Sociologia, participam na construção social das categorias de diferença, como o género, a idade, a etnia, a classe social ou a orientação sexual entre outras, muitas vezes racionalizando e legitimando as concepções dominantes e dominadoras de determinados grupos com mais poder e visibilidade.

Contudo, como é referido por alguns autores, existem vantagens na diversidade humana, nomeadamente no âmbito da psicologia desenvolvimental que reflecte uma consciência crescente da necessidade de se reconhecer o valor das diferenças entre pessoas. Isto remete-nos para um tema muito interessante que é a relação entre legado cultural e herança genética e sua importância na riqueza e diversidade humana.

Quando falamos de diversidade humana devemos ter em conta duas heranças: a genética e a cultural. É por isso que o ser humano é considerado uma unidade bio cultural. A herança genética processa-se biologicamente através da hereditariedade; o legado cultural processa-se socialmente através das aprendizagens possibilitadas pela coexistência de gerações. Existem diferenças tanto a nível biológico, como a nível cultural. Assim, a diversidade humana diz respeito ao facto de não existirem duas pessoa iguais, pois todas elas divergem sob o ponto de vista fisiológico e social.

Como elementos explicativos desta diversidade e riqueza, podemos apontar dois aspectos essenciais: 1) Cada indivíduo forma-se no interior de uma cultura em que a diversidade de regras, padrões, valores, estereótipos, crenças e costumes contribuem para diferenciar as pessoas que a ela pertencem, das que pertencem a outras culturas. 2) Dentro de cada cultura, cada ser humano constrói-se a partir das potencialidades genéticas resultantes da combinação de múltiplos pares de genes provenientes dos seus progenitores.

O carácter universal da cultura permite identificá-la como uma totalidade (holística) onde se conjuga, organizada de forma dinâmica (dialéctica), a diversidade humana com os seus elementos materiais e simbólicos: conhecimentos, crenças, valores, leis e normas, formas de arte e expressão, costumes e práticas sociais, assim como objectos e construções produzidas. Todavia, não somos produtos directos destas influências culturais: somos também produtores de cultura, dando origem a uma diversidade cultural e biológica.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

HOLISMO e ECOLOGIA

Com o tema Holismo e Ecologia pretende-se dar uma visão holística da realidade. Como sabemos, o homem está em constante interacção com o meio ambiente. Por outro lado, existem diferentes contextos de existência dos indivíduos. Assim, pode dizer-se que os seres humanos vivem em múltiplos contextos e que o desenvolvimento depende das características dos contextos, bem como das características bio psicológicas dos indivíduos.

Existem várias teorias acerca do desenvolvimento. Correntes como o Maturacionismo e a Psicanálise, que põem a ênfase na componente biológica e maturativa, como o Behaviorismo, que põe a ênfase nas componentes ambiental e social ou ainda o Construtivismo e a Teoria Psicossocial, que enfatizam as componentes biológica e social. Mais recentemente surgiu o "modelo ecológico do desenvolvimento", perspectiva desenvolvida por Urie Bronfenbrenner.

Estamos perante uma nova perspectiva, na qual se destacam os seguintes vectores temáticos: desenvolvimento em contexto e ecologia do desenvolvimento. O termo ecologia refere-se ao contexto, isto é, ao meio situacional em que a pessoa ou organismo vive, ou ao qual está ligado. Quanto ao desenvolvimento humano, este é o conjunto de processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem para produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso da sua vida.

Bronfenbrenner designou o modelo explicativo do desenvolvimento como “teoria ecológica do desenvolvimento”. Esta teoria, porque inspirada no Holismo, é uma concepção holística, sistémica ou ecológica. Holismo é, etimologicamente, um vocábulo formado a partir do grego holos e pode traduzir-se como “todo inteiro”. O conceito Holismo traduz a ideia segundo a qual as propriedades de um sistema não podem ser explicadas pela soma dos seus componentes. Opõe-se ao Reducionismo mecanicista e ao Atomismo e vê o mundo como um todo integrado, como um organismo.

Desenvolveram-se várias teorias filosóficas de cariz holístico baseadas nos pressupostos da evolução emergente. Jean Smuts definiu Holismo como: “A tendência da natureza a formar, através da evolução criativa, todos maiores que a soma das partes”. O Holismo tem sido utilizado por pensadores das áreas de Biologia, Psicologia e Física. Em todas elas, o objectivo é considerar algumas realidades primeiramente como “globalidades” ou “totalidades” e só depois como compostos de certos elementos ou membros. Um bom exemplo disso é a máxima do Gestaltismo que refere: o Todo é qualitativamente diferente da soma dos seus elementos.

No modelo ecológico de desenvolvimento holístico, o organismo humano é multidimensional, existindo uma interacção entre a pessoa e o seu meio ambiente. Neste sentido, podemos postular o seguinte princípio: cada indivíduo é reconhecido como um sistema integrado. Remover qualquer parte desse sistema, requer um reajustamento de todo o sistema. O efeito, de longo ou curto prazo, dependerá da importância da parte removida bem como da habilidade do sistema para se ajustar à parte em falta.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

PROJECTO FILOSÓFICO.

Admitindo a máxima gestaltista, segundo a qual o o Todo é qualitativamente diferente da soma dos seus elementos, somos conduzidos a uma visão holística, incompatível com qualquer concepção reducionista ou atomista.
Aplicada à realidade, esta concepção holística levar-nos-á a entende-la como uma totalidade organizada, e não uma soma de elementos isolados. Esta perspectiva holística é sistémica e assume-se contra os dualismos metafísicos.
Se aplicarmos uma metodologia dialéctica, mais especificamente na sua vertente hegeliana traduzida no movimento tese-antítese-síntese, e a esta juntarmos a visão holística, chegamos a uma nova concepção: holismo dialéctico.
Deste ponto de vista, a realidade será entendida como um processo que conduz a um Todo organizado, e não uma soma de indivíduos, seja esta soma uma família, comunidade ou mesmo um país.
Assim, as relações dialécticas, quase sempre baseadas na antítese eu/outro, deverão conduzir-nos a sínteses cada vez mais alargadas, até atingir o Todo organizado, que é a própia realidade sistémica e multifacetada.
Este sistema, por sua vez, reenvia às antíteses iniciais, num constante processo de supressão-superação (Aufhebung) que, de acordo com a perspectiva construtivista, vai criando condições para uma equilibração majorante.
Esta equilibração construtivista, fruto do processo de assimilação e acomodação, pretende-se simultaneamente holística, porque visa o Todo, e dialéctica, porque dinâmica e multifacetada, uma verdadeira dialéctica ternária, não redutível a dualismos metafísicos.
Esta dialéctica ternária culminará numa síntese, a qual traduz todo o movimento dialéctico do sistema numa reciprocidade que se pretende intersubjectiva. A intersubjectividade e a reciprocidade são elementos fundamentais neste contexto.
Se recuarmos à matriz grega, poderemos encontrar as raízes desta nova concepção holística e dialéctica, pois como refere Heraclito de Éfeso: "A sabedoria consiste numa só coisa, em conhecer, com juízo verdadeiro, como todas as coisas são governadas através de tudo".