domingo, 28 de setembro de 2008

RESILIÊNCIA

O termo resiliência tem origem na Física e designa a resistência do material aos choques e à capacidade de uma estrutura absorver a energia cinética do meio sem romper. O termo foi aplicado em Psicologia, a partir da década de 80 do século XX, para designar os indivíduos que recuperam as suas energias depois de terem sofrido uma depressão. Hoje em dia, a expressão resiliência aplica-se fundamentalmente às crianças e jovens que crescem em ambientes de privação e risco e que conseguem ultrapassar eficazmente os traumas vividos, fugindo ao ciclo de violência e fatalismo.

A resiliência não é inata; é um processo, não um estado e, por isso, uma pessoa pode ser mais resiliente num momento da vida do que noutro. Pode afirmar-se que a resiliência emerge da interacção entre factores ambientais, comportamentais e pessoais. Neste sentido, as expectativas, crenças e competências cognitivas dos jovens desenvolvem-se através da interacção com factores estruturais e sociais do seu ambiente, em particular através da modelação dos comportamentos dos outros, da instrução ou da persuasão social produzida pela pressão do grupo de pares.

As investigações relativas à resiliência admitem que praticamente todas as pessoas estão sujeitas a adversidades e a factores de stress e também que há, potencialmente, muitos factores que podem contribuir para a forma como elas lidam com estas experiências. Se uma pessoa é, ou não, bem sucedida em revelar resiliência face a desafios significativos, tal pode ser entendido como resultado da interacção entre factores benéficos e desfavoráveis. O fenómeno da resiliência mostra o quanto é importante ter em conta o contexto assim como o indivíduo situado. Demonstra também que é importante ter em consideração a dimensão do ajuste particular entre cada pessoa e o seu ambiente.

Geralmente, os investigadores identificam alguns factores que designam por “factores de protecção”: individuais, familiares e extra familiares. Os primeiros são características como a inteligência, a auto-estima, a autonomia e o humor. Quanto à família, designadamente os pais, são elementos que permitem resistir melhor às situações traumáticas. No entanto, os pais podem ser substituídos por um adulto significativo. Outros factores identificados são a escola ou os encontros com pessoas significativas. No fundo, é o conjunto das defesas que permitirá à criança ou ao jovem elaborar comportamentos que lhes permitam tornar-se resilientes.

Um outro elemento importante a considerar, quando se procura compreender o fenómeno da resiliência, é que esta é um processo activo. Significa isto que as pessoas resilientes são as que conseguem agir nos e sobre os seus contextos de forma a protegerem-se das consequências adversas que a presença de determinados factores poderiam trazer consigo. Em conclusão, o conceito de resiliência descreve a capacidade encontrada por algumas pessoas de encontrarem forças e recursos no seu mundo pessoal que lhes permitem enveredar por trajectórias desenvolvimentais adaptativas e positivas, mesmo em condições adversas, como Anne Frank ou Helen Keller.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

OSTEOPATIA

A Osteopatia foi estabelecida como sistema de medicina na segunda metade do século XIX, quando Andrew Taylor Still, desiludido com a medicina convencional alopática, se interessou pelo desenvolvimento de um sistema de medicina que pudesse estimular os mecanismos auto-reguladores do próprio corpo. Neste sentido, ele considerava que o equilíbrio das estruturas era essencial para evitar o aparecimento de disfunções e doenças.

Actualmente, e de acordo com a Organização Mundial de Saúde no Documento Estratégia da OMS acerca da Medicina Tradicional 2002-2005, a expressão “medicina tradicional “ (MT) é utilizada quando se refere a África, América Latina, Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental, reservando a expressão “medicina complementar e alternativa” (MCA) quando se faz referência à Europa, América do Norte e Austrália. Quando se refere a todas estas regiões usa-se a abreviatura MT/MCA.

A Osteopatia é um sistema de medicina complementar, cujo estudo inclui a biomecânica e a cinética além da anatomia e da fisiologia. A sua filosofia de base incide no restabelecimento da função e mobilidade do sistema Esquelético-Muscular. Além disso, porque é uma terapia holística, a osteopatia devolve o equilíbrio postural e trata o corpo como um todo. O seu tratamento baseia-se na manipulação, massagem e estimulação neuromuscular, sendo uma terapia essencialmente manual.

O princípio fundamental da osteopatia é que estrutura e função estão inter-relacionadas. Por estrutura pretende-se significar o corpo inteiro. Deste princípio resulta que o corpo é uma unidade e que qualquer estrutura ou função anormais numa das suas partes exerce uma influência anormal sobre as outras. A este tipo de abordagem chama-se holismo. O tratamento osteopático deve necessariamente seguir esta abordagem.

A osteopatia oferece bons resultados no tratamento de inúmeros problemas da coluna vertebral, mas considera igualmente importantes outros sistemas, com destaque para o sistema circulatório, visto que o sangue distribui nutrientes e oxigénio às células, ao mesmo tempo que remove as toxinas e os resíduos – a chave para uma óptima função celular.

O tratamento osteopático é igualmente eficaz nas dores musculares e articulares. De acordo com as estatísticas, este tipo de dores representa 70% dos sintomas que levam os doentes a consultas no respectivo médico de família. A osteoartrose, por exemplo, é das doenças reumáticas que afecta 20% da população em Portugal, sendo uma das principais causas de incapacidade para o trabalho.

Tendo presente que estes tipos de dores e de restrições à mobilidade são, em geral, devidas a alterações de cariz biomecânico, então podemos afirmar que a osteopatia tem uma actuação privilegiada. O tratamento osteopático contribui para a redução da dor e rigidez nas fases agudas da artrite, ajuda a manter a mobilidade, independência e bem-estar em geral e estimula os mecanismos auto-reguladores dos órgãos internos. Quando praticada por terapeutas com formação adequada, a osteopatia é totalmente segura.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

MEDO

Muitas vezes ouvimos as pessoas dizerem: “Não tenhas medo!” Outras, levando o assunto ainda mais longe dizem: “O medo é para os fracos!”. É sabido que alguns povos incitam os seus membros a não terem medo, sendo isso uma marca distintiva que os torna superiores. Veja-se o caso de Esparta na Antiguidade Clássica. A antropóloga Ruth Benedict criou, inclusive, uma conceptualização baseada na mitologia grega, para definir culturas tão distintas como a apolínea (de Apolo), mais pacífica, e a dionisíaca (de Dionísio), mais guerreira. Perante este enquadramento, impõe-se uma pergunta: afinal o que é e para que serve o medo?

A perspectiva evolutiva acerca das emoções distingue seis emoções primárias: alegria, tristeza, surpresa, cólera, desgosto e medo. As emoções primárias são inatas, correspondendo a uma espécie de equipamento básico, útil para os seres vivos reagirem ao meio de forma mais ou menos automática. Por isso, este tipo de emoções provoca alterações corporais, aliás bem típicas na situação de medo. Estas emoções têm tendência para a generalidade ou universalidade, isto é, têm que ser praticamente as mesmas em todas as pessoas das diferentes culturas. Além disso, sendo inatas, têm que aparecer muito cedo na vida dos indivíduos, não dependendo da aprendizagem.

Os comportamentos emocionais são distintos dos cognitivos. Trata-se do campo da afectividade que engloba um vasto conjunto de fenómenos psicológicos, tais como afectos, sentimentos ou emoções. Podemos definir afecto como o estado psicológico elementar, que nos permite apreciar os mais diversos aspectos da realidade em termos de agradável e desagradável, pelo que manifesta desejos de aproximação ou repulsa. A emoção é uma reacção fisiológica curta e intensa do organismo a um acontecimento inesperado, que é acompanhada de uma totalidade afectiva agradável ou desagradável.

Qualquer que seja a emoção, faz-se acompanhar de reacções fisiológicas. As referidas reacções dependem, em grande parte, do Sistema Nervoso Autónomo. Este, através da sua secção simpática, mobiliza os recursos do corpo, preparando-o para acção. Estas reacções fisiológicas são involuntárias e manifestam-se num aumento do ritmo cardíaco e subida da pressão sanguínea. Outras reacções são inibir a secreção salivar, estimular a transpiração, dilatar as pupilas, além de estimular o fígado a libertar açúcar no sangue e as glândulas supra-renais a produzir adrenalina.

O sistema nervoso central participa nos comportamentos emotivos, sobretudo por acção do sistema activador reticular (S.A.R.) e do sistema límbico. Assim, o S.A.R. avalia a informação sensorial, chamando a atenção do córtex para o que é susceptível de desencadear emoções. O sistema límbico, especialmente através do hipotálamo, activa o sistema simpático para desencadear as alterações fisiológicas imprescindíveis à defesa orgânica em estados de emergência. O córtex cerebral também intervém, mas de preferência nas emoções secundárias, que implicam aprendizagem e controlo racional. Ainda considera que o medo é coisa de fracos?

domingo, 7 de setembro de 2008

EMOÇÕES e SENTIMENTOS

Segundo António Damásio, “a evolução parece ter construído a maquinaria da emoção e sentimento às prestações”: primeiro as emoções e só mais tarde os sentimentos. Esta construção faseada das reacções afectivas corresponde a funções diferenciadas de cada um destes mecanismos. Esta posição de Damásio levanta alguns problemas. Desde logo o papel da evolução na complexificação cerebral mas também o papel das reacções afectivas na nossa condição de seres racionais por excelência, concretamente na diferenciação entre emoção e sentimento e respectivos papéis na formação da mente humana.

António Damásio utiliza o seguinte critério: chamar às emoções “iniciais” primárias e às emoções “adultas” secundárias. Deste modo, as emoções primárias são inatas; o desenrolar automático destas emoções é da incumbência do sistema límbico, nada tendo a ver com decisões tomadas a nível do córtex cerebral. As emoções secundárias ou sentimentos envolvem uma avaliação cognitiva dos acontecimentos, implicando associações com determinados estímulos e aprendizagens anteriores; exigem a participação do córtex pré-frontal, particularmente das áreas do lado direito.

Qualquer que seja a emoção, faz-se acompanhar de reacções fisiológicas. As referidas reacções dependem, em grande parte, do Sistema Nervoso Autónomo. Este, através da sua secção simpática, mobiliza os recursos do corpo, preparando-o para a acção. Estas reacções fisiológicas são involuntárias e manifestam-se num aumento do ritmo cardíaco e subida da pressão sanguínea. Outras reacções são inibir a secreção salivar, estimular a transpiração, dilatar as pupilas, além de estimular o fígado a libertar açúcar no sangue e as glândulas supra-renais a produzir adrenalina.

Mas, para além de processos fisiológicos e emocionais, a mente engloba processos conativos, associados à tendência do ser humano para agir deliberadamente. Podemos definir os processos conativos como fenómenos mentais que impulsionam o ser humano para a realização de acções deliberadas e intencionais, o que significar dizer que a conação se restringe aos actos resultantes das decisões humanas, excluindo todos os que são praticados de modo involuntário. Deste modo, a acção humana é caracterizada como intencional e voluntária, aspecto que nos conduz ao papel da evolução na complexificação cerebral.

O processo de desenvolvimento do cérebro está ligado ao retardamento ontogenético, isto é, ao prolongamento do período da infância e da adolescência. Pode dizer-se que conhecer bem o cérebro implica uma visão da lenta evolução da espécie, dando atenção a aspectos que atestam a presença do passado ainda em nós. Paul MacLean apresentou a tese triúnica do cérebro, segundo a qual o homem actual apresenta três cérebros num só, correspondendo cada um a dada fase evolutiva das espécies. O cérebro neomamífero, último estrato da evolução, está particularmente desenvolvido no ser humano, o que lhe permite aprendizagens complexas, como a linguagem ou o pensamento simbólico e reflexivo. Justifica-se assim a evolução faseada das reacções afectivas.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

PESSOA e as MÁSCARAS

Pessoa deriva, etimologicamente, do Latim persona, que significa máscara, figura, papel representado por um actor. Neste sentido, actualmente, ainda se associa persona à imagem com que uma pessoa se apresenta em público. Muitos autores admitem que as pessoas, na sua vida quotidiana, agem assumindo várias personagens, representando papéis impostos pelos grupos sociais, como se a vida social de um palco se tratasse. Tal como no teatro, se a representação é boa, ter-se-á aceitação por partes dos assistentes. Citando Shakespeare “O mundo inteiro é um palco. Todos os homens e mulheres não passam de actores. Têm as suas entradas e as suas saídas”.

Muitas vezes a vida social obriga a “representar” no dia-a-dia, podendo mesmo acontecer, frequentemente, que os indivíduos ocultem os seus verdadeiros sentimentos ou então mostrem sentimentos que, verdadeiramente, não possuem mas, por conveniência social e expectativas dos outros, tendem a manifestar. Por exemplo, fingir contentamento numa situação que não lhes agrada ou manterem-se sérios numa outra que lhes parece cómica. Quer isto dizer que, quando uma personagem não é compreendida pelo grupo social, quando as máscaras utilizadas não permitem representar o papel na sua plenitude, podem ocorrer problemas para os indivíduos.

Com efeito, o conformismo social pode levar ao medo de não ser aprovado pela sociedade, conduzindo a uma rigidez na mudança das máscaras. Em contrapartida, a necessidade de aprovação social pode levar o indivíduo a procurar, desenfreadamente, um destaque especial para o papel que representa. Assim, as máscaras podem ser defesas, cuja finalidade principal é proteger os indivíduos do meio social envolvente. É por isso que, com o passar do tempo, vamos aprendendo a representar no palco da vida, movimentando e adaptando de forma adequada as máscaras. Aprendemos não só a antecipar as reacções às nossas acções, mas também aprendemos a identificar as expectativas dos outros.

Façamos agora um jogo entre o indivíduo Fernando e o conceito Pessoa, deixemo-nos conduzir pelos heterónimos de Fernando Pessoa que, como refere José Saramago, é homem de máscaras que olham máscaras, como se só máscaras o pudessem ler e porventura compreender. Máscaras que têm nomes como Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro ou Bernardo Soares. Sabendo que da palavra persona, enquanto máscara de actor, também deriva a palavra personalidade, será interessante saber se todos estes heterónimos, enfim, não passam de máscaras que transfiguram a verdadeira personalidade de Fernando Pessoa, homem de máscaras.

Citemos José Saramago: “Há vertigem neste jogo. As máscaras olham-se sabendo-se máscaras. Usam um olhar que não lhes pertence, e esse olhar, que vê, não se vê. Colocamos no rosto uma máscara e somos outro aos olhos de quem nos olhe. Mas de súbito descobrimos, aterrados, que, por trás da máscara que afinal não poderemos ser, não sabemos quem somos. Está portanto por saber quem é Fernando Pessoa.” E tudo isto nos leva à questão fundamental: Quem sou eu? Talvez seja melhor seguir a máxima inscrita no Templo de Delfos, que tanto motivou Sócrates: “Conhece-te a ti próprio”

sábado, 23 de agosto de 2008

ARGUMENTAÇÃO

Afinal por que é necessário argumentar? Será porque existe uma crise de valores que nos empurra para o niilismo? Talvez uma crise de autoridade? Não, seguramente não pode ser por uma crise de autoridade porque, se assim fosse, isto é, caso houvesse uma autoridade à qual recorrer, não seria necessário argumentar: a autoridade, entenda-se por isso o que se quiser, mesmo com o argumento ad verecundiam, seria justamente o contrário da argumentação. Também podemos dizer que é necessário argumentar para não cair no cepticismo que sempre acompanha as épocas de crise.

Ora, estando a nossa época em crise, pelo menos a julgar pelo que se ouve, então é necessário argumentar, sempre. O que seria de nós se ficássemos atolados pelo cepticismo, agora que já não temos um Descartes para resolver, com a sua dúvida hiperbólica e o seu cogito, os novos cepticismos que pairam sobra nós como se de uma nuvem negra se tratasse. Logo nós, que até vivemos num país tão soalheiro, não obstante o fado que teima em permanecer.

De repente dou por mim a pensar que o problema da argumentação está ligado à Democracia, agora como na antiguidade clássica. Sim, porque no tempo da Grécia antiga o problema já se colocava, como bem viram os sofistas com a sua arete politike. Com a invenção da Democracia surgiu a necessidade de fazer valer os diversos pontos de vista em debate; enfim, numa palavra, argumentar para fazer valer o seu ponto de vista. É que, bem vistas as coisas, só é possível argumentar em Democracia. Mas agora com uma nova retórica, como nos ensina Perelman.

Imagine-se chegar ao junto de um monarca absoluto e questionar as suas ordens? Bom, também não é preciso ir tão longe. Afinal, é necessário autoridade e, já diz o povo, o respeito é muito bonito. E mais uma vez estamos perante o problema de autoridade. Mas será que a argumentação é incompatível com a autoridade? A julgar pelo exemplo da História, começou-se a argumentar em Democracia. E isso parece ser um dado adquirido, mesmo na actualidade. Os inúmeros casos em que os dissidentes políticos são presos ou perseguidos quando tentam argumentar contra o poder instalado, são disso a prova.

Nas sociedades democráticas actuais o processo argumentativo tornou-se essencial. Veja-se os casos dos referendos, como o referendo ao aborto, por exemplo. Como sói dizer-se, é uma situação fracturante, pois divide a população em duas, uns a favor e outros contra. E é preciso muita argumentação para levar de vencida qualquer uma das perspectivas em debate. Tal não seria possível se não vivêssemos em Democracia. Mas será que basta viver em liberdade para poder argumentar?

Considero que a necessidade de argumentar vai bem mais fundo, e toca num problema que afecta muito as sociedades actuais, muito virados para o consumo imediato, sem atitude crítica, aceitando sem pestanejar qualquer autoridade na matéria, desde que bem falante e apareça nos meios de comunicação social. Como dizia um pensador do século XVIII chamado Kant, é preciso ter a coragem de pensar por si próprio (Sapere aude!).

Em resumo, e voltando à pergunta inicial, é necessário argumentar para evitar ter uma atitude passiva, que tudo aceita sem nada questionar. E não é preciso ter medo de eventuais cepticismos ou outras crises que tais. Além disso, argumentar é motivo de coesão, pois aproxima as pessoas que, deste modo, devem sair do seu individualismo e dos seus monólogos, para assumir posições comuns e partilhadas. Enfim, tomar uma atitude dialéctica e intersubjectiva tendo como referência o todo da comunidade.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

CONFORMISMO

A adaptação aos outros leva os indivíduos a aceitar as normas sociais vigentes. Define-se norma social a escala de referência ou de avaliação que define uma margem de comportamentos, atitudes e opiniões, sejam permitidos ou condenáveis. A relação entre norma social e normalização é que esta última designa justamente o estabelecimento da norma social com base na influência recíproca dos membros de um grupo de indivíduos que se manifestam hesitantes quando aos modos convenientes de pensar e agir. Por isso, o conformismo é uma atitude desenvolvida e altamente valorizada na vida social.

Conformismo, numa perspectiva científica, implica o designado “efeito Asch”. Contudo, o tema do conformismo leva-nos bem mais longe, como o atesta o texto de Gleitman: “Asch descobriu que a percentagem de indivíduos que se mantinham completamente independentes e seguros dos seus juízos, em todas as séries em que o grupo discordava deles, era inferior a 25 %. A maior parte deles aderiu ao grupo, pelo menos em algumas ocasiões, a despeito da nítida evidência dos seus sentidos – um resultado com implicações algo incómodas para o processo democrático.”

O texto remete para a experiência realizada por Salomon Asch, em que se mostra a realidade das normas impostas pelo grupo e a dificuldade das pessoas em quebra-las, o que nos leva ao tema do conformismo. Se o grupo que nos acompanha manifestar entusiasmo, sentimo-nos pressionados a concordar ou ficamos em silêncio mantendo privada a nossa opinião discordante da maioria. Dizemos, então, que nos conformámos. O conformismo é uma forma de influência social que resulta do facto de uma pessoa mudar o seu comportamento ou as suas atitudes por efeito da pressão do grupo.

Na experiência o sujeito tinha de seleccionar, entre três linhas de comprimento desigual, traçadas num cartão, a que era do comprimento de uma outra linha, observada noutro cartão. Embora reconhecendo inicialmente que as respostas certas não podiam ser as que eram dadas pelos outros sujeitos participantes, a partir de determinada altura, o sujeito ingénuo começou a duvidar de si próprio, acabando por se deixar arrastar pela opinião dos participantes coniventes, dando a mesma reposta falsa que eles davam. Depois da experiência, Asch procurou, através de entrevistas com os sujeitos participantes compreender os processos subjacentes ao comportamento conformista.

A partir desses dados, tem-se procurado identificar os factores que influenciam e explicam o conformismo, nomeadamente: a unanimidade do grupo, a ambiguidade da situação, a importância do grupo e a auto-estima. Mas, em determinadas circunstâncias, o conformismo no interior do grupo pode chegar a um nível que conduz a consequências muito negativas, como o processo democrático referido por Gleitman. Há casos em que o inconformismo e a desobediência são mais meritórios, em particular: na inovação científica, filosófica ou artística; na alteração de normas e costumes sociais; em casos de regimes não democráticos; na luta contra os preconceitos sociais.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

BULLYING. VIOLÊNCIA nas ESCOLAS.

Allan Beane, especialista em educação, esteve em Portugal para dar conferências relativas à violência nas escolas. Ele pretende ajudar os professores a criar estratégias para manter as salas de aula sem violência, fazendo campanha contra o bullying. Nos Estados Unidas da América, esta “disciplina da violência” começou a matar quando os agredidos se transformaram em agressores, como no massacre de Columbine em que dois alunos, que tinham sido perseguidos, entraram na escola disparando sobre os colegas.

Como referiu este perito, cerca de 60% dos bullys têm cadastro aos 24 anos. Nos Estados Unidos da América, este tipo de violência representa uma das principais causas de absentismo escolar, levando mais de 160 mil alunos a faltar diariamente às aulas, com medo. Os rapazes são os principais praticantes do bullying directo, ameaçando ou batendo em colegas mais fracos, enquanto as raparigas preferem o bullying social, caracterizados pelas ofensas, pela humilhação, disseminação de boatos maldosos e rejeição. Esta forma de violência estende-se à Internet, nomeadamente através da difamação de colegas em sites, com publicação de fotografias e vídeos.

Quando interrogado acerca da origem do bullying na escola, Allan Bean identifica a falta de disciplina em casa porque, se os pais não disciplinam os filhos, é natural que eles não saibam controlar-se. A prevenção dentro da Escola tem dois sentidos: o primeiro é a integração, fazendo com que todos se sintam integrados; o segundo passa pelo trabalho com a vítima, incutindo-lhe que não deve ter medo de enfrentar o agressor. Quanto ao papel do professor, este deve fazer campanha contra o bullying, envolvendo os pais na discussão do que se passa.

Em Portugal, os estudos mostram que a prevalência de vítimas destas agressões está calculada entre 7% e 10%. Mas isso não deve ser desculpa para que fiquemos à margem, como que dando continuidade à máxima de Sartre “O inferno são os outros”. Não há neutralidade e todos estão envolvidos: educadores e educandos, docentes e discentes. Nem sequer deveremos adoptar uma atitude maniqueísta, seja ela de origem étnica, social ou económica. No fundo todos somos responsáveis e a nossa responsabilidade aumenta na directa proporção da nossa liberdade.

A política do medo que está subjacente ao bullying assenta numa relação senhor-escravo na qual, mutatis mutandi, o agressor é o senhor e a vítima é o escravo. Ora, como bem notou Hegel justamente na dialéctica do senhor e do escravo, nem um nem o outro são livres. Por isso é preciso passar de uma relação binária, baseada no medo e dependência, para uma dialéctica ternária em que a tese (agressor) e a antítese (vítima) dê lugar, pela tomada de consciência desta última, a uma síntese: pessoa livre. E porque todos somos livres todos somos responsáveis.

sábado, 16 de agosto de 2008

AS CORES DA EMOÇÃO

O Diário de Notícias publicou na sua edição de 10 de Novembro de 2006 um artigo intitulado “Amarelo de cólera, vermelho de alegria”, no qual se revela o estudo “Expressão facial: a influência das cores na identificação e reconhecimento das emoções básicas”, realizado pelo Laboratório de Expressão Facial da Emoção, em Portugal. Como explicou o director do laboratório, Freitas-Magalhães, o objectivo da investigação foi perceber de que forma crianças e jovens percebem as emoções, e que cores associam instintivamente a cada uma.

Em termos metodológicos, foi constituída uma amostra significativa de 364 crianças (182 rapazes e 182 raparigas) com idades entre os seis e os dez anos e a frequentar o 1º ciclo do Ensino Básico, bem como 254 jovens (127 mulheres e 127 homens) com idades entre os 18 e os 25 anos, a frequentarem o Ensino Superior. As cores escolhidas foram o amarelo, laranja e vermelho (quentes), violeta, azul e verde (frias) e preto, branco e cinzento (neutras), e as emoções básicas em estudo foram a alegria, tristeza, cólera, medo, aversão, surpresa e desprezo.

As conclusões mostram que as crianças associam instintivamente as mesmas cores às mesmas emoções, sem qualquer diferença de género nessa escolha. Alegria e vermelho, cólera e amarelo, desprezo e cor-de-laranja no caso das cores quentes. Quanto às restantes cores, à tristeza associam o azul, à surpresa o branco e à aversão e medo o preto. Para os adultos já não é assim. À excepção da alegria e da cólera, a que associam exactamente a mesmas cores, os jovens adultos associam o violeta à tristeza, o cor-de-laranja à surpresa, o verde à aversão e o cinzento ao medo e ao desprezo. Aqui há diferenças significativas de género. As mulheres, à cólera associam o cinzento (em vez do amarelo), à tristeza o azul (em vez do violeta) e ao medo o preto (em vez do cinzento).

Numa perspectiva clássica, privilegiavam-se os processos cognitivos, tendo-se da emoção uma visão negativa. Emoção e pensamento eram inconciliáveis, considerando-se a primeira como obstáculo ao bom exercício das capacidades racionais. O racionalismo, consubstanciado na célebre máxima Cogito ergo sum, pode traduzir esse paradigma que nos conduz ao antropocentrismo do homo sapiens, entretanto posto em causa pelas três grandes descentrações: cosmológica (Copérnico), biológica (Darwin) e psicológica (Freud), não esquecendo os “mestres da suspeita” (Nietzsche e Marx).

Na actualidade, fruto das novas investigações levadas a cabo por neurocientistas, não se considera a emoção como um entrave ao pensamento. Esta é, em síntese, a tese de António Damásio, segundo a qual é absurdo separar cognição e emoção, na medida em que o funcionamento equilibrado da mente só é possível com o contributo da emoção. O estudo acima referido põe em destaque as reacções expressivas através da relação entre cores e emoções, contribuindo assim para a instauração de um novo paradigma antropológico, traduzido numa visão holistica e dialéctica da trilogia cognição, emoção e conação.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

ÉDIPO COMPLEXO

Édipo significa, em sentido figurado, aquele que explica um enigma, que esclarece uma questão obscura, como por exemplo o paradigmático enigma da Esfinge. Quando substantivado, dá origem ao edipismo, significando o arrancamento voluntário de um ou dos dois olhos por alguém alienado de si próprio. Está ainda na origem de várias obras, entre as quais, uma das mais importantes, realizada por Sófocles, célebre poeta grego que, em 415 a. C., escreveu a tragédia Édipo Rei.

Quando Édipo nasceu, o seu pai Laio, rei de Tebas, mandou expô-lo no monte Citíron por que um oráculo tinha-o prevenido de que, se tivesse um filho, este o mataria. Encontrado por uns pastores, Édipo foi levado ao rei de Corinto, Políbio, que lhe deu a educação de um príncipe. Chegado à idade adulta, Édipo consultou um oráculo que lhe deu o conselho de nunca mais voltar à sua pátria, pois estava destinado a matar o seu pai e desposar a sua mãe se tal fizesse. Persuadido que a sua pátria era Corinto, Édipo exilou-se, mas quis o destino que encontrasse Laio no seu caminho; da briga entre os dois, Édipo matou Laio.

Por esse Tempo, um monstro de nome Esfinge, devastava os arredores de Tebas, devorando os viajantes que não adivinhassem os seus enigmas. Creonte, sucessor de Laio, prometera a mão de Jocasta, mãe de Édipo, bem como o trono a quem livrasse a polis do horrível monstro. Édipo decifrou o enigma da Esfinge que, furiosa, se atirou ao mar. Por esse motivo, Édipo foi aclamado rei de Tebas e desposou a sua mãe. Quando estes factos foram revelados por um oráculo, Jocasta suicidou-se por enforcamento, e Édipo, depois de ter arrancado os próprios olhos, deixou Tebas guiado pela sua filha Antígona. Chegou a Colona, na Ática, entrou no bosque das Euménides, onde desapareceu.

Como sabemos, a cultura grega é uma das principais matrizes da cultura Ocidental e da europeia em particular. O próprio nome Europa é disso testemunho. Não admira, pois, que personagens da cultura grega como Édipo tenham chegado até nós e continuem a alimentar a criatividade cultural actual. O Complexo de Édipo é um bom exemplo do que foi dito. Trata-se de uma inclinação sexual que liga qualquer criança ao seu progenitor do sexo oposto. O Complexo de Édipo foi revelado pela psicanálise freudiana, sendo fundamental para o diagnóstico e descoberta das neuroses e dos recalcamentos.

O interessante neste Complexo de Édipo proposto por Freud, para além dos aspectos psicanalíticos que envolve, é que, tal como na história que lhe dá origem, existe uma triangulação relacional idêntica. Édipo, na mitologia grega, sem ter consciência, mata o pai, Laio, e casa com a mãe, Jocasta. Na psicanálise, o período edipiano também é uma triangulação inconsciente. Contudo, quando Sófocles escreveu o Rei Édipo ou a Antígona, ele procurou o princípio da acção na vontade humana. Neste sentido, e parafraseando Albert Camus a propósito de outro grande mito grego, Sísifo, é preciso entender Édipo numa perspectiva livre, entendendo a triangulação não como um religare ao transcendente ou mesmo alienação, mas sim como uma dialéctica ternária em que a síntese será sempre o homem livre.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O FOGO DE PROMETEU

Desde tempos imemoriais ou, para falar com mais rigor, primordiais (In illo tempore) que a humanidade está marcada por mitos, isto é, narrativas sagradas acerca de figuras que, quase sempre, são a personificação de forças naturais com carácter antropomórfico, as quais se tornam o arquétipo de todas as actividades humanas significativas. É assim que, nas sociedades arcaicas, é comum haver divindades ligadas a cada actividade humana.

Pela repetição de certas palavras e gestos rituais, também eles primordiais, o mito torna-se uma realidade viva. O rito actualiza o mito, o rito é o mito em acção. Neste contexto mitológico, muitos foram os seres que pagaram cara a ousadia de conhecer e de saber mais. Sísifo, Tântalo, Ícaro, Prometeu ou mesmo Adão e Eva são exemplos daqueles que foram castigados pela sua ousadia de enfrentar a divindade em favor da humanidade.

Prometeu, cujo nome significa “previsão” era muito prudente, mais ainda que os próprios deuses. Contudo, Prometeu foi duramente castigado por roubar ao Olimpo o segredo do fogo, para o entregar ao Homem. Foi Zeus quem ordenou que Prometeu fosse agrilhoado a uma montanha, onde todos os dias uma águia ia comer-lhe o fígado que, diariamente, se regenerava. Héracles, também conhecido como Hércules, acaba por salvá-lo, matando a águia, num dos seus célebres doze trabalhos.

O mito de Prometeu, inseparável da questão acerca da origem do fogo, situa-se entre os mais universais, podendo ser encontrados equivalentes seus noutras mitologias para além da grega. A sua figura, simultaneamente trágica e rebelde, símbolo da humanidade, constitui um dos mitos gregos mais presentes na cultura ocidental.

Ésquilo, na sua obra Prometeu agrilhoado, foi o primeiro a apresentá-lo como uma figura rebelde contra a injustiça e omnipotência divina, imagem esta que, posteriormente, será adoptada por todos aqueles que viram na figura de Prometeu a representação da liberdade humana, que leva o homem a enfrentar com orgulho o seu destino. É por isso que um dos significados mais comuns deste mito é o da luta entre o ser humano e o poder superior

Prometeu marca o início da civilização, com a revelação do fogo aos homens. Simboliza também a luta do homem condenado a enfrentar muitos sacrifícios na luta pelos seus ideais, aspecto bem vincado por Sartre quando diz “Estamos condenados a ser livres.”. O que podemos retirar deste mito é o poder da inteligência, superador das limitações humanas, multiplicador de compreensão e entendimento do mundo que, tantas vezes, nos surge como trágico e caótico.

O fogo que Prometeu roubou aos deuses e pelo qual foi condenado, representa o conhecimento humano. Mas também, e talvez mais importante, a liberdade. Até aí os homens faziam tudo sem razão, porque os deuses, ao contrário do que tinham feito com os restantes animais, nada lhes deram. Ora, como bem notou Rousseau: “Um escolhe ou rejeita por instinto, e o outro por um acto de liberdade […]. Não é pois tanto o entendimento que faz a distinção específica entre os animais e os homens, mas a qualidade humana de agente livre”.

domingo, 20 de julho de 2008

MANIQUEÍSMO e DICOTOMIA

Entende-se por Maniqueísmo a Heresia de Manes, fundador da seita dos Maniqueus, nascida no século III na Pérsia, segundo a qual o Universo é criação de dois princípios que se combatem. Manes, também conhecido como Manete ou Maniqueu, à imitação dos primeiros gnósticos, tentou juntar, numa vasta síntese, o cristianismo e o paganismo oriental. Admite a coexistência eterna dos dois princípios divinos: o Príncipe da Luz e o Príncipe do Mundo, também chamado Satã ou Matéria. Deu-se em seguida o nome de maniqueísmo a qualquer doutrina fundada sobre os dois princípios opostos do Bem e do Mal.

Não obstante esta referência histórica, podemos já identificar pressupostos maniqueístas na cultura grega clássica. É o caso de Parménides de Eleia. Baseado no princípio “o ser é, o não ser não é”, considera dois caminhos, o da verdade (aletheia), o caminho do ser, e a via da aparência ou da opinião (doxa), do não-ser. Apesar da sua aparente simplicidade, esta doutrina teve grandes implicações futuras, desde logo, contrariamente a Heraclito e outros filósofos, porque nega não só as transformações como também a pluralidade e o movimento, como puras ilusões dos sentidos. É justamente em nome da unidade do Ser que se justificam muitas metafísicas dualistas.

Porque não se pretende ter uma atitude maniqueísta de escolha entre duas opções, sejam elas factos históricos por um lado, ou doutrinas filosóficas baseadas em princípios opostos por outro, convém esclarecer este conceito, quer ao nível dos pressupostos quer das suas consequências. Por isso há que esclarecer os pressupostos dicotómicos presentes nas perspectivas maniqueístas, sejam elas doutrinas ou simples máximas subjectivas de uso individual, à maneira da lei do Talião: “quem não está comigo está contra mim”, máximas bem presentes na actualidade e muitas vezes usadas como justificação de massacres.

As dicotomias podem ter uma dupla leitura. Por um lado, elas podem contribuir para uma nova conceptualização, ajudando a definir determinados conceitos ou mesmo novas teorias. Por outro lado, num registo mais negativo, as dicotomias, enquanto perspectivas exageradas e simplistas, podem conduzir a panoramas redutores dos assuntos em discussão. Na tentativa de evitar tais visões dicotómicas, as tendências actuais deverão ir no sentido de as ultrapassar, preferido visões globais, holisticas e integradas. Devemos evitar posições dicotómicas, tais como o maniqueísmo, porque a sua perspectiva binária é incompatível com uma visão dialéctica e holística da realidade.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

DIVERSIDADE HUMANA

A história pessoal de cada ser humano desenrola-se no diálogo entre o que percebemos (objectivamente) de nós, dos outros, do mundo, do que os outros percebem, e o que (subjectivamente) construímos – acerca de nós, dos outros e do mundo. Daí termos de assumir uma identidade multidimensional que engloba as identidades cósmica, específica, cultural e pessoal.

Na História das Ciências encontramos muitos exemplos de desrespeito pela diversidade. As próprias ciências humanas, como a Psicologia ou a Sociologia, participam na construção social das categorias de diferença, como o género, a idade, a etnia, a classe social ou a orientação sexual entre outras, muitas vezes racionalizando e legitimando as concepções dominantes e dominadoras de determinados grupos com mais poder e visibilidade.

Contudo, como é referido por alguns autores, existem vantagens na diversidade humana, nomeadamente no âmbito da psicologia desenvolvimental que reflecte uma consciência crescente da necessidade de se reconhecer o valor das diferenças entre pessoas. Isto remete-nos para um tema muito interessante que é a relação entre legado cultural e herança genética e sua importância na riqueza e diversidade humana.

Quando falamos de diversidade humana devemos ter em conta duas heranças: a genética e a cultural. É por isso que o ser humano é considerado uma unidade bio cultural. A herança genética processa-se biologicamente através da hereditariedade; o legado cultural processa-se socialmente através das aprendizagens possibilitadas pela coexistência de gerações. Existem diferenças tanto a nível biológico, como a nível cultural. Assim, a diversidade humana diz respeito ao facto de não existirem duas pessoa iguais, pois todas elas divergem sob o ponto de vista fisiológico e social.

Como elementos explicativos desta diversidade e riqueza, podemos apontar dois aspectos essenciais: 1) Cada indivíduo forma-se no interior de uma cultura em que a diversidade de regras, padrões, valores, estereótipos, crenças e costumes contribuem para diferenciar as pessoas que a ela pertencem, das que pertencem a outras culturas. 2) Dentro de cada cultura, cada ser humano constrói-se a partir das potencialidades genéticas resultantes da combinação de múltiplos pares de genes provenientes dos seus progenitores.

O carácter universal da cultura permite identificá-la como uma totalidade (holística) onde se conjuga, organizada de forma dinâmica (dialéctica), a diversidade humana com os seus elementos materiais e simbólicos: conhecimentos, crenças, valores, leis e normas, formas de arte e expressão, costumes e práticas sociais, assim como objectos e construções produzidas. Todavia, não somos produtos directos destas influências culturais: somos também produtores de cultura, dando origem a uma diversidade cultural e biológica.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

HOLISMO e ECOLOGIA

Com o tema Holismo e Ecologia pretende-se dar uma visão holística da realidade. Como sabemos, o homem está em constante interacção com o meio ambiente. Por outro lado, existem diferentes contextos de existência dos indivíduos. Assim, pode dizer-se que os seres humanos vivem em múltiplos contextos e que o desenvolvimento depende das características dos contextos, bem como das características bio psicológicas dos indivíduos.

Existem várias teorias acerca do desenvolvimento. Correntes como o Maturacionismo e a Psicanálise, que põem a ênfase na componente biológica e maturativa, como o Behaviorismo, que põe a ênfase nas componentes ambiental e social ou ainda o Construtivismo e a Teoria Psicossocial, que enfatizam as componentes biológica e social. Mais recentemente surgiu o "modelo ecológico do desenvolvimento", perspectiva desenvolvida por Urie Bronfenbrenner.

Estamos perante uma nova perspectiva, na qual se destacam os seguintes vectores temáticos: desenvolvimento em contexto e ecologia do desenvolvimento. O termo ecologia refere-se ao contexto, isto é, ao meio situacional em que a pessoa ou organismo vive, ou ao qual está ligado. Quanto ao desenvolvimento humano, este é o conjunto de processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem para produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso da sua vida.

Bronfenbrenner designou o modelo explicativo do desenvolvimento como “teoria ecológica do desenvolvimento”. Esta teoria, porque inspirada no Holismo, é uma concepção holística, sistémica ou ecológica. Holismo é, etimologicamente, um vocábulo formado a partir do grego holos e pode traduzir-se como “todo inteiro”. O conceito Holismo traduz a ideia segundo a qual as propriedades de um sistema não podem ser explicadas pela soma dos seus componentes. Opõe-se ao Reducionismo mecanicista e ao Atomismo e vê o mundo como um todo integrado, como um organismo.

Desenvolveram-se várias teorias filosóficas de cariz holístico baseadas nos pressupostos da evolução emergente. Jean Smuts definiu Holismo como: “A tendência da natureza a formar, através da evolução criativa, todos maiores que a soma das partes”. O Holismo tem sido utilizado por pensadores das áreas de Biologia, Psicologia e Física. Em todas elas, o objectivo é considerar algumas realidades primeiramente como “globalidades” ou “totalidades” e só depois como compostos de certos elementos ou membros. Um bom exemplo disso é a máxima do Gestaltismo que refere: o Todo é qualitativamente diferente da soma dos seus elementos.

No modelo ecológico de desenvolvimento holístico, o organismo humano é multidimensional, existindo uma interacção entre a pessoa e o seu meio ambiente. Neste sentido, podemos postular o seguinte princípio: cada indivíduo é reconhecido como um sistema integrado. Remover qualquer parte desse sistema, requer um reajustamento de todo o sistema. O efeito, de longo ou curto prazo, dependerá da importância da parte removida bem como da habilidade do sistema para se ajustar à parte em falta.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

PROJECTO FILOSÓFICO.

Admitindo a máxima gestaltista, segundo a qual o o Todo é qualitativamente diferente da soma dos seus elementos, somos conduzidos a uma visão holística, incompatível com qualquer concepção reducionista ou atomista.
Aplicada à realidade, esta concepção holística levar-nos-á a entende-la como uma totalidade organizada, e não uma soma de elementos isolados. Esta perspectiva holística é sistémica e assume-se contra os dualismos metafísicos.
Se aplicarmos uma metodologia dialéctica, mais especificamente na sua vertente hegeliana traduzida no movimento tese-antítese-síntese, e a esta juntarmos a visão holística, chegamos a uma nova concepção: holismo dialéctico.
Deste ponto de vista, a realidade será entendida como um processo que conduz a um Todo organizado, e não uma soma de indivíduos, seja esta soma uma família, comunidade ou mesmo um país.
Assim, as relações dialécticas, quase sempre baseadas na antítese eu/outro, deverão conduzir-nos a sínteses cada vez mais alargadas, até atingir o Todo organizado, que é a própia realidade sistémica e multifacetada.
Este sistema, por sua vez, reenvia às antíteses iniciais, num constante processo de supressão-superação (Aufhebung) que, de acordo com a perspectiva construtivista, vai criando condições para uma equilibração majorante.
Esta equilibração construtivista, fruto do processo de assimilação e acomodação, pretende-se simultaneamente holística, porque visa o Todo, e dialéctica, porque dinâmica e multifacetada, uma verdadeira dialéctica ternária, não redutível a dualismos metafísicos.
Esta dialéctica ternária culminará numa síntese, a qual traduz todo o movimento dialéctico do sistema numa reciprocidade que se pretende intersubjectiva. A intersubjectividade e a reciprocidade são elementos fundamentais neste contexto.
Se recuarmos à matriz grega, poderemos encontrar as raízes desta nova concepção holística e dialéctica, pois como refere Heraclito de Éfeso: "A sabedoria consiste numa só coisa, em conhecer, com juízo verdadeiro, como todas as coisas são governadas através de tudo".